Grande, expressiva faixa da humanidade terrena
transita entre os limites do instinto e os pródromos da razão, mais sequiosos
de sensações do que ansiosos pelas emoções superiores. Natural que se permitam,
nestes dias, os excessos que reprimem por todo o ano, sintonizados com as
entidades que lhes são afins. É
de se lamentar, porém, que muitos se apresentam nos dias normais como
discípulos de Jesus, preferindo, agora, Baco e os seus assessores de orgia ao
Amigo Afetuoso…
Perdendo-se nos períodos mais recuados, as
origens do carnaval podem ser encontradas na bacanalia, da Grécia, quando era
homenageado o deus Dionísio. Anteriormente, os trácios entregavam-se aos
prazeres coletivos, como quase todos os povos antigos. Mais tarde,
apresentavam-se estas festas, em Roma, como saturnalia, quando se imolava uma
vítima humana, adredemente escolhida, no seu infeliz caráter pagão. Depois, na
Idade Média, aceitava-se com naturalidade: Uma vez por ano é lícito enlouquecer,
tomando corpo, nos tempos modernos, em três ou mais dias de loucura, sob a
denominação, antes, de tríduo momesco, em homenagem ao rei da alegria…
Há estudiosos do comportamento e da psique,
sinceramente convencidos da necessidade de descarregarem-se as tensões e
racalques nesses dias em que a carne nada vale, cuja primeira
sílaba de cada palavra compôs o verbete carnaval.
Sem dúvida, porém, a festa é o vestígio da
barbárie e do primitivismo ainda reinantes, e que um dia desaparecerão da
Terra, quando a alegria pura, a jovialidade, a satisfação, o júbilo real
substituírem as paixões do prazer violento e o homem houver despertado para a
beleza, a arte, sem agressão nem promiscuidade.
Há milhões de pessoas envolvidas no bárbaro
divertimento, que não censuramos, entretanto, há número muito superior de
criaturas que lhe não oferecem culto, nem mesmo sequer experimentam qualquer
interesse ante os apelos da folia momesca.
Quantos se utilizam destes dias em que o
trabalho habitual sofre alteração, para buscar recantos interioranos
aprazíveis, regiões serranas e praias para o refazimento? Pessoas mais
amadurecidas utilizam-se dos feriados carnavalescos para estudos, meditações,
encontros de renovação espiritual e lazer.
Há um grande progresso moral que viceja na
Humanidade e não podemos desconsiderar. Jamais houve tão grande interesse dos
homens pelos seus irmãos, em tentativa de ajudá-los a levantar-se e marchar com
dignidade. As atividades que visam ao enobrecimento do ser humano
multiplicam-se, abençoadas, fomentando a alegria e a paz. As minorias raciais
recebem respeito; os preconceitos vão sendo varridos do Planeta; os direitos do
cidadão embora ainda violados, são defendidos; a ecologia consegue adeptos
afervorados; as classes menos favorecidas, que padecem miséria socioeconômica,
já não são desprezadas, não obstante ainda não gozem das considerações que
todos merecem; os proletários fazem-se ouvidos; cogita-se de multiplicar os
órgãos de assistência social aos carentes de toda ordem; as leis são mais
benignas, e estudiosos do comportamento estão identificando mais doenças na
criatura humana do que maldade, mesmo naquelas que resvalam nos abismos dos
crimes mais hediondos; a liberdade já sustenta ideais de dignidade entre os
povos... São inumeráveis as conquistas morais da Humanidade em pouco mais de
cento e cinquenta anos, prenunciando aquisições ainda mais relevantes em
relação ao futuro.
O que observamos, são remanescentes do passado
de todos nós, ainda não superado, que
permanece retendo-nos na retaguarda das dissipações, embora a voz e o
magnetismo do Cristo nos estejam arrastando das sombras para a luz, que já
estamos entendendo e aceitando. Alegremo-nos, portanto, e observemos com
otimismo, o que desfila diante de nós. Ontem, aí estávamos mergulhados nos rios
escuros da ilusão, enquanto, agora, cá
nos encontramos na margem abençoada onde medram o equilíbrio e a paz.
(Extraído do livro "Nas Fronteiras da Loucura", de autoria de Manoel Philomeno de Miranda, psicografado por Divaldo Pereira Franco.)